A queimada / Délio Pereira da Cruz - Literatura em Anápolis
A queimada
Há
sempre almas desapiedadas
que
se prestam para tão ignóbeis tarefas.
Corria o mês de agosto. . . lento. . . . monótono. . . .seco e
excessivamente quente. A lentidão do passar dos dias talvez se devesse ao fato
da grande carga de tragédia que o mês arrastava, deixando, atrás de si, um
sulco estupidamente profundo de misérias.
Agosto é aziago, diz a crendice popular.
A paisagem era de meter pena. Os corações
mais embrutecidos haveriam de sofre um certo estremecimento, um descompassar no
rítmico bater do peito ao contemplá-la.
Árvores, outrora luxuriantes, agora
mostravam-se desnudas com seus galhos secos voltados para o céu, a suplicar
graça da chuva revitalizante, assemelhando-se a uma multidão pobre e faminta de
braços erguidos e descarnados, a clamar por um pouco de alimento.
Esmoleres. . . .
Pedintes . . .
Suplicantes . . . .
Reses magras, pastavam ao longe, com andar
cambaleante, um resto de capim bastante surrado e desbotado pela longa
estiagem.
Lá ao longe, nas dobras de uma serra e
alcançando m baixio, num contraste que deleitava os olhos, estava uma porção
verde; a única numa extensão enorme de léguas quadradas. Estava incrustada numa
região privilegiada com a presença de um regato, conservado sabe Deus como.
Era um oásis em meio àquele Saara imenso.
Mas vejam só com são as coisas. . . não
podemos atinar exatamente com o “como” brota ali o fogo. Talvez, e é mais
provável, ateado por algum ignoto viandante que por ali passara. Há sempre
almas despiedadas que prestam para tão ignóbeis tarefas. A princípio
percebia-se um fio tênue de fumaça em espiral quem aos poucos, ganhava altura. Logo
depois o fogo era enorme e ameaçador. Labaredas, quais gigantes línguas,
ganhavam as altura, e grossas ondas de nuvens pardacentas subiam numa caminhada
mais que sinuosa, formando, nas suas evoluções, as mais estarrecedoras figuras
e indo, depois de rasgadas pelos raios solares, tisnar o céu de um vermelhidão escuro.
. . .A
princípio pequeno,
o fogo acanhado,
pouco a pouco
aumenta,
crepita, se contorce
e se agita . . .
. . .
. . . . . . . . . .
A fumaça
Aumenta
E se alteia
Em espirais, formando
Figuras dantescas,
E por vezes
Burlescas,
Bailando
Perdidas
no ar. . .
. . .
. . . . . . . . .
Causava dó ver a mata sendo cruelmente destruída.
Era uma cadência de estalos ensurdecedores, mais parecendo um campo de batalha no
fragor da luta. Grossas e seculares árvores iam sendo transformadas em massa
ígnea com a passagem do fogo. Era um caldeirão do inferno. Frondosos jatobás,
esguios cedros, enrijecidas, aroeiras, enfeitados de musgos e parasitas, marinheiros
de diâmetro fabuloso, cipós nodosos, arbustos destruídos pela ação devastadora
do fogo, que, com sua pena candente, ia lavrando para toda inexorável sentença
de morte.
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. . . .
O fogo que ali grassou,
Da mata só deixou
As cinzas, a negridão.
Tudo, de preto pintou
Na grande
devastação
. . .
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Passam- se as horas sob uma atmosfera quase
que irrespirável. O mormaço impregnara-a toda.
Os pássaros esbulhados, em tremenda
algazarra, deixam sua antiga morada, tangidos pelo fogo. Era um atropelo geral.
Congestiona-se o trânsito. Corriam sem saber para onde ir. Uma corrida louca,
desenfreada, desastrosa. Grandes e
pequenos animais. Coelhos, veados,
esquilos, tamanduá com sua bandeira desfraldada, ouriço-cacheiro todo arrepiado
com que um pé de guerra, e até o bicho preguiça, que se enchera de pressa, em
meio à apertura.
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Os animais que ali estavam
Vivendo no matagal,
Agora se retiravam
À procura doutro igual,
Ignorando a desventura,
Pois tal coisa era impossível,
Visto ser a seca incrível,
De cortar o coração,
Pois perecera a verdura,
Tarefa da combustão . . . . . . . . . .
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. . . . .
Por fim, o fogo se amaina. Desolação completa.
Dificilmente alguém poderia contemplar aquele fim de tragédia sem que uma
lágrima teimosa e quente viesse molhar-lhe a face.
Resultado sob todos os aspectos deficitário.
Prejuízo. . . devastação . . . tristeza
. . . miséria . . . morte . . .
Foi ali, contemplando aquela tétrica
paisagem que o poeta, com os olhos embaciados pelas lágrimas, deixou escapar do
seu peito um grito de protesto e exortação.
Apologia
Em
defesa da árvore.
Árvore, bendita dádiva dos céus,
Que a todos os olhos com beleza encanta,
Gritarei, em versos, os direitos teus,
P’ra que a ti não façam loucura tanta.
O homem que com seu braço forte,
Golpeia com o aço e semeia o dano,
Não obstante aparentar sadio porte,
Prendei-o, é desalmado, louco, insano.
Pois para o tal não sorrirá a sorte,
Na senda negra de tão cruel engano,
Que sonha com a vida e semeia a morte,
Ó faina atroz, labor mui desumano.
Não será pois, porventura um bruto,
Aquele que causa tamanho dano,
Com a morte pagando o valor do fruto?!
Prendei-o sem, é desalmado louco,
insano.
Baixar as armas, cessai a guerra,
Que nesse erro o homem jamais
labore
Cantemos todos, exultai ó terra,
E que deus salve para a sempre a
árvore.
Délio Pereira da Cruz - natural de Rio Verde. Mudou-se para Anápolis 1953 para concluir os estudos secundários e, depois, cursou Teologia no Seminário Bíblico Goiano, hoje Seminário Teológico Cristão Evangélico do Brasil - Seteceb. Formou-se em Direito na FADA, na turma de 1983. Em 1993, concluiu o curso de Letras na antiga FACEA. Foi professor na UniEvangélica durante nove anos. Além de lecionar em vários colégios da Rede Estadual de Ensino.
Autor de duas outras obras:
- Morro e Saudade - Versos, publicado em 1989 pelo Centro Gráfico do Senado Federal;
- Crepúsculo - Conto, Canto, Encanto..., publicado em 2005 pela editora Kelps.